As utopias não morreram ou “não é só por R$0,20”
Wlaumir Doniseti de
Souza
Ernesto
Beckmann Geisel, vigésimo nono Presidente da República (1974-1979), ao propalar
a abertura política de forma lenta, gradual e segura fundava um projeto de
poder que se estendeu até a década que vivemos. Por absurdo que pareça.
A abertura
política foi meticulosamente negociada e institucionalizada e um de seus pontos
mais visíveis foi/é a anistia ampla, geral a irrestrita. Mas, há outro aspecto
institucional que foi/é estratégico e menos propalado: a Constituição Cidadã,
de 1988, garantia o instituto da estabilidade aos servidores públicos com pelo
menos cinco anos no cargo. Este princípio da estabilidade garantiu que o Estado
Democrático de Direito estivesse controlado de dentro por funcionários, e mesmo
por políticos, que foram escolhidos em conformidade a adesão ao pensamento
militar de Estado enquanto Ditadura Militar e, mais que isto, garantiram por
décadas que os interesses dos defensores da Ditadura fossem contemplados de
forma discreta, mas contínua.
A década de
2011 consolida o esvaziamento do Cavalo de Tróia deixado pela Ditadura Militar
e, mais que isto, viabiliza que a maioria dos ocupantes de cargos no/de Estado
sejam pessoas que não viveram a Ditadura Militar. Esta é uma transformação que
se vê pelas/nas ruas e o movimento do “não é só por R$0,20” é a sua primeira
grande evidência. Assim, estabelece-se um choque no Estado pelas pessoas que
viveram o regime militar e que ainda são reféns, de diferentes formas, do seu
modo de pensar e agir, de um lado, e de outro, a nova geração que não viveu a
Ditadura e viabiliza uma democracia que ultrapasse o lema do “lento, gradual e
seguro” para conclamar a nação para o aqui e agora com todos os riscos
inerentes a busca da igualdade democrática e muito além.
O muito além
fica por conta da denúncia de que as utopias não morreram apesar de toda a
barbaridade cometida pelo Estado Militar e mantidos pelo Democrático de
Direito, dentre estes cita-se: proteção a educação, a saúde e ao transporte
privados em detrimento da cidadania. O muito além faz viva e demanda de direitos
por serviços públicos e gratuitos de qualidade, por transparência e eficiência
do Estado, dos representantes da nação e dos funcionários.
O movimento do
“Não é só por R$0,20” evidenciou a crise da indiferença reinante para com a
apatia das elites econômicas e políticas em face da nação e conclamou os
dirigentes a uma nova atitude política que supere a tradição cultural muito bem
sintetizada pela frase de Washington Luís “questão social é caso de polícia”. O
movimento traz a demanda por políticas públicas e sociais e culturais
efetivamente implantadas e expandidas de Estado que não fiquem reféns deste ou
daquele governo ou partido.
No limiar ficou patente que a fraude
generalizada no País não é culpa da massa, como muitos meios de comunicação
querem fazer crer. A massa é a condenada a arcar com as conseqüências de uma
elite deletéria que condena a nação à educação, transporte e saúde públicos de
péssima qualidade e na esteira de tudo isto a segurança mantida em moldes da
ditadura onde “servir e proteger” tem como norte o patrimônio e não a população
em seus direitos humanos, sociais, políticos, culturais e econômicos de
manifestar livremente sua indignação com a coisa pública e seus administradores
de péssima qualidade e/ou conduta.
O aviso foi
dado as massas – da esquerda e da direita – não querem mais arcas com as contas
dos privilégios e desmandos das elites econômicas e políticas, muito menos, ser
refém do baile de máscaras que agiliza procedimentos parlamentares com uma mão
(deputados) e os anula com outra (senadores) no que diz respeito as demandas do
“Não é só por R$0,20.
A reincidência
do trem da alegria – onde o uso de aviões do Estado é apenas uma das faces da
indiferença reinante à ética pública e com o público – pode levar a uma nova
eclosão com dinâmica bem diferente da que assistimos. Os anarquistas e outras
correntes políticas e ideológicas poderão não mais ser a minoria – mascarada
que segue na primeira fila de enfrentamento da polícia e do patrimônio do
Estado. Mas, antes, angariar a simpatia de muitos pela ação direta como única
solução face ao absurdo de se insistir em pensar e agir como se as massas
fossem ignaras e parvas por excelência. Ledo engano. Na linha de fundo dos
anarquistas encontram-se algumas das pessoas mais competentes da nação e que
são capazes de insuflar reação sem que o Estado os consiga mapear. Como vimos
nos dias atuais.