sábado, 14 de novembro de 2015

As hierarquias dos projetos ou dos ideais anacrônicos

As hierarquias dos projetos ou dos ideais anacrônicos

Diante de mais uma crise econômica que o País atravessa – e falar em crise no capitalismo é uma redundância – vemos o presidente da Câmara dos Deputados e seus seguidores e escudeiros defenderem projetos que fariam sucesso até a primeira metade do século XX e, assim mesmo, com ressalvas históricas. A marcha à ré nos direitos da mulher face ao estupro, na noção de família, no acesso ao STF de certas categorias religiosas, entre outros ,é de um anacronismo com poucos precedentes.
Isto poderia passar desapercebido se fosse apenas mais um legislador prestando contas a seus eleitores com projetos que atendem demandas específicas na contra mão da universalização de direitos sem a menor condição de viabilizar-se e ser aprovado. Mas, não é. É parte de um projeto antigo e dos mais tradicionais que se arvoram falar em nome de Deus para realizar os poderes do macho em detrimento dos femininos.
Participamos, no Brasil, de um processo de transformação nada silencioso na hierarquia dos projetos a serem atendidos. Apesar do alarido dos progressistas, as bancadas religiosas e da bala, entre outras possíveis designações de mesmo espectro político entre o reacionário e o saudosista lastreado numa pretensa representação da verdade sobrenatural, tem avançado em meio as massas eleitoras via igrejas e associações outras por elas fundadas como esteio de um povo que já retorna para a indigência em meio a crise do País. Os ganhos sociais de 10 anos de governos se evaporam em uma crise de dois anos.
Num arremedo da Syllabus errorum, de Pio IX, só que desta vez via Estado, pretende-se negar não mais apenas o mundo moderno, mas o pós-moderno com todos os avanços científicos que equipararam homens e mulheres e agora avança para o campo da homossexualidade – entre outras possibilidades.
Já Pio IX, em 1864, era um episódio anacrônico visto que se contrapunha as transformações do mundo moderno. O que participamos hoje, face a evangélicos e Bolsonaros, para não falar por hora do Estado Islâmico, demonstram o quanto a história não é evolutiva ou feita apenas de avanços e progressos. Se nas eleições municipais que se aproximam, mais uma vez o papel das igrejas for fundamental para garantir o sufrágio de pessoas que não contam com o apoio real da maioria, o pacto entre Estado e igrejas consolidar-se-á em detrimento da ciência pós-moderna. Pacto avantajado pelo PT que agora perde o “controle da história”.
Neste quadro o episódio do fechamento de escolas no Estado de São, via reorganização geográfica e etária; a possível reforma na carreira de professores das Universidades Estaduais, seguindo o norte dos Recursos Humanos neoliberais – onde não há espaço para todos serem pesquisadores e quebrando o modelo de carreiras estáveis para todos – demonstram o quanto o Estado democrático não consegue dar respostas universalizantes nas terras do Brasil, mesmo sendo o partido que se propõe dos intelectuais, o tucanato.
Assim, a exclusão escolar, a perca do pouco espaço ganho pelas “novas classes médias”, que de medianas quase nada tinham ou dispunham, o desmonte das carreiras universitárias encontra seu casamento perfeito com igrejas que podem solucionar via ritual mágico as agruras da pobreza e da ignorância que o Estado não faz dissolver via política ou políticas.

E, para não pensarmos que estamos sós neste episódio histórico que tende a tergiversar com o retrocesso, guardadas as devidas proporções, ao menos por hora, o Estado Islâmico enviou mensagem explícita de terror aos franceses de que a falta de escolas orientadas pelo lema que fundamenta o mundo ocidental contemporâneo – Liberdade, Igualdade e Fraternidade – viabilizam mãos armadas incapazes de diálogo ou tolerância com a diversidade e a pluralidade laica pós-moderna, e nem mesmo moderna, onde o espaço da mulher e do feminino é a invisibilidade.


Ao caminhar dos debates e alianças políticas no Brasil, o que ainda chamamos de episódio – e que foi inaugurando pelo pastor chutando a Santa de Aparecida em cadeia nacional e condenado, ao menos naquela época, hoje em face ao “Somos todos Charlie Hebdo” e os avanços da interpretação laica, poderia ter resultados diferentes – a uma rotina onde terreiros de candomblé e igrejas católicas depredadas, ou pessoas “apedrejadas” serão uma realidade sancionada pelas novas maiorias, num contra fluxo da interpretação laica?
O aviltamento de uma educação de qualidade para a nação em conformidade aos cânones da ciência, entre elas com destaque para história, filosofia e sociologia, faz com que nem todos entendam que o ataque à França foi um ataque a todo o estilo de vida ocidental  onde ser livre é elemento constitutivo de cidadãos e não de fiéis seguidores doutrinados. O ataque a França é contra a liberdade da mulher e do feminino.  É contrário a ciência e sua liberdade de pesquisa. Em síntese, é o estopim que fez milhares migrar de seus países em busca do sonho europeu lastreado pelos Direitos Humanos, herdeiro e representante direto do lema da Revolução Francesa.
Que pese, e muito a tragédia do mar de lama em Minas Gerais que arrastou muitos à falência, outros à morte, e tantos outros à escassez de água –  e com ele a comparação do mar de lama que envolve os nossos políticos e políticas. É urgente e necessária uma resposta do Estado para além das providências da justiça. E, neste ponto não é isto ou aquilo. O local ou o global. É um e outro num contexto de complexidade pós-moderna.
Sem a França e o peso histórico de seus pensadores históricos, num futuro próximo tudo isto que ocorreu em Minas poderá ser explica pura e simplesmente como vontade de Deus em punição aos pecados. Ou, pior ainda, que o “Efeito estufa” é uma condenação Divina às condutas irreligiosas dos humanos e não resultado dos erros de política e políticas econômicas insustentáveis ecologicamente, mas muito rentáveis no plano dos capitais.
Assim, não deixa de ser contraditório que tantos solicitem orações à França e não atitudes, como as que os próprios franceses evocaram ao cantar o hino revolucionário: às armas cidadãos. A França fundadora do mundo contemporâneo sabe que orações não resolverão a questão, pelo contrário, pode e muito a tornar ainda mais complexa e menos tolerante as questões envolvidas em nome do poder do macho e de seu deus masculino que legitima o controle, da dominação e a explora excludente da mulher, do feminino, da liberdade, da ciência...
Por outro lado, a França da Liberdade, Igualdade e Fraternidade responde militarizando a sociedade para proteger a liberdade castrada ao se limitar o direito de reunião e ir e vir. Tristes tempos onde ainda se faz sentir os ecos  do dilema ético da frase histórica “para que haja paz, é necessária a guerra”?
Anacronismo, bem-vindo ao século XXI e bem na data que comemoramos, 15 de novembro, da Proclamação a República, aquela República que separou Igreja e Estado e fez avanças direitos civis, políticos e econômicos para homens e mulheres, masculino e feminino inspirado nos ideais franceses.


domingo, 25 de outubro de 2015

A crise dos projetos éticos ou o assassinato público da ética

A ética só existe enquanto na teoria e/ou oposição? A situação teria razões de Estado que a cidadania  e a oposição desconhecem? Transparência é um artifício que visa minar os direitos individuais à privacidade e os desvios em cargo público? Os meios de dominação pessoal, o discurso histriônico dos populistas e/ou carismáticos, o formalismo jurídico da dominação racional legal que excluí as frações de classe controladas e garante a quase impunidade das frações de classe dominante, parecem ser o mote dos que se pretendem donos do poder e não representantes democráticos da nação?
Rachel Sheherazade, por exemplo, no uso de suas funções de repórter, em uma das emissoras mais populares do Brasil, disse que a democracia era o governo da maioria para a maioria. O SBT, uma emissora fundada por um dos judeus mais ricos e influentes do País, Silvio Santos, passou assim a legitimar meios antidemocráticos de poder onde as minorias, entre elas a d judaica, a exemplo da Alemanha, como homosseuxuais, Testemunhas de Jeová, portadores de necessidades especiais... poderão ser caçados em nome do direito da maioria?
A democracia, em especial a partir J.J. Rousseau, é o governo eleito pela maioria e que respeita a toda a população, incluso aí, as minorias quer elas sejam o que forem em conformidade aos Direitos Humanos: migrantes, mulheres, negros, homossexuais...
“Pela primeira vez na história do nosso país, na história republicana, a terceira maior autoridade do país, o presidente da Câmara dos Deputados, é um irmão nosso... o deputado Eduardo Cunha”, estas as palavras de Silas Malafaia ao apresentar o Presidente da Câmara dos Deputados. Num discurso que lembra o medieval, queria assegurar que por ser evangélico, estaria garantida a qualidade do representante e por consequência a salvação da nação.
Na sociedade honestos ou desonestos podem ser todo e qualquer ser humano independente das insígnias que se apregoam como superiores: católico, evangélico, espírita ou maçom, homem, branco, heterossexual, casado, pai de família e formado em universidade de excelência.
Se heterossexualidade, professar a uma religião e a crença em Deus, ser casado e pai de família fossem garantias de algo, para além dos emblemas distintivos do poder do macho, teríamos um Congresso Nacional da melhor qualidade e seríamos primeiríssimo mundo visto que a maioria ostenta tais requisitos.
Em meio as disputas entre oposição e situação, liberais e conservadores, progressistas e reacionários, assistimos ao assassinato da ética em praça pública com o uso indevido do bem público e da representação. A República em lágrimas vê diante de si projetos outros que para se legitimarem usam do discurso oco da ética, pois demandam na prática “os fins justificam os meios”, na pior interpretação possível de Machiavel que intentava com esta frase separar Igreja e Estado.

Num primeiro momento, o adormecer das consciências, em meio ao fora PT, identificados como únicos corruptos, não alcançavam mais os escândalos dos opositores que demandavam o impedimento da Presidenta. Numa tentativa de defesa, assistimos a evocação da banalização dos crimes de políticos durante o horário eleitoral, em especial no segundo turno, uma enxurrada de denúncias entre os candidatos,que não saíram do verbo e caíram no espaço oco da indiferença generalizada. 
No tempo atual, assistimos aos avanços judiciais que atingem apenas um partido e pouca o seus contendores. Seria o melhor dos mundos para a oposição se não se vissem em palpos de aranha diante das evidências que vêm da Suiça contra o deputado irmão evangélico terceira autoridade do Brasil que fica restrito ao território nacional por temer ser detido em outras terras.
O que vemos no Brasil é o assassinato da ética como banalização para efetivar-se projetos que se pretendem éticos para grupos específicos e atingindo em retrógrado os Direitos Humanos. Na mesa de negociações o desemprego de milhares, a retirada de direitos das mulheres, o fomento da religião nas escolas em detrimento do saber científico, a invisibilidade dos LGBTTT, 
A população estarrecida vê-se diante do rei nu, despido do falso discurso ético diante da realidade de que o juiz militante não pune aos crimes, mas a certos infratores num arremedo do antigo e tradicional PPP que evidenciam que no Brasil o racismo, a discriminação por classe e idelogoia podem guiar, por vezes e mais vezes, as mãos da justiça, transformada em garras,
Morre a ética e seu falso projeto de governo ético para uma nova ordem diante do fato de que ninguém quer cortar na própria carne. Estarrecido fica o povo como vítima de uma elite deletéria sendo culpado por eleger - mesmo quando não o quer, diante do modelo legal - os acusados de corruptos pelo plantão midiático.






terça-feira, 13 de outubro de 2015

A tragédia dos costumes em meio à crise político-econômica no Brasil

Como era de se esperar a trajetória de Renato J. Ribeiro foi breve no MEC. Homem das letras e das ideias críticas e emancipatórias não tinha como sobreviver em meio a um legislativo federal composto majoritariamente por conservadores de todos os naipes; alguns beirando e atuando de modo reacionário.
O Brasil legislativo acostumado a ministros que alteram a forma do ensino e quase nada faz no debate e discussão do conteúdo, se assustou diante de um ministro do vulto de Ribeiro que, entre outros temas, colocou no centro do debate público, sem subterfúgios que escamoteiam as intenções mais profundas, as questões do ensino de gênero e de religião na Educação.
Era o objetivo do ministro que estes conhecimentos e saberes ficassem à luz das ciências e das filosofias e não do prisma criacionista que tanto tem movido votos e falas reacionárias. Algo hercúleo visto que o modus operandi do Brasil desde a ocupação portuguesa foi a educação abaixo da fé quando se implementou por estas terras o que pela Europa era criticado: a cristandade e o padroado. Este modelo colonizador fincou raízes profundas que se evidenciam até hoje nos embates públicos do que deveria ser laico.
Como já havia escrito em “A crise entre preços e valores”, em 14/09/2015, a exoneração de Renato Janine Ribeiro era previsível em meio às demandas que têm como representante máximo o Presidente da Câmara dos Deputados Eduardo Cunha e seu séquito de ideias carcomidas e com práticas postas sob suspeita em meio as denúncias vindas da Suiça. Mais um “salvador da pátria” que cai em descrédito diante da sociedade laica das mídias sociais?
Outrora a voz mais alardeada neste embate entre o secular e o sagrado na política partidária era a de Feliciano, por São Paulo, entre outros tipos de igual naipe reacionário espalhados pelo Brasil e sufragados para o legislativo. Todavia, estes, de certo modo, caíram no ridículo social pelo conteúdo e forma do que defendiam. Era reacionário demais para uma sociedade que se aventura no mundo pós-moderno a contragosto dos conservadores e reacionários.
A queda de uns é a ascensão de outros. Evidenciou-se uma nova estrela do pensamento reacionário, o Deputado Eduardo Cunha eleito, em tese, principalmente via voto religiosa da Igreja Assembleia de Deus – que, segundo a acusação, teria lavado dinheiro de propina do mesmo. Não por acaso este não entra em querelas diante de repórteres da tradicional indústria cultural, pois seu discurso tenderia a cair em descrédito diante da maioria da população. O Estatuto da Família, a (de)(re)forma eleitoral contrária a opinião publica são aapenas o início de um projeto político-ideológico muito maior e, por isto, para evitar os erros dos similares Feliciano, Bolsonaro, entre outros apela-se para o discurso profissional de advogados.
Assim, ficamos diante de um fato, a crise política que arrasta o país para uma de suas maiores crises econômicas é fruto do desejo de reformar os costumes dos outros via modelo religioso, onde, talvez, nem Jesus Cristo se encaixaria como família; sobretudo se utilizássemos a contraversão como teoria explicativa: teria Jesus Cristo sido concebido por um soldado romano que estuprou Maria de Nazaré?
Esse projeto político-religioso que não tergiversa com a pluralidade e a diversidade real da humanidade, e defendida pela ciência contemporânea, em nome de doutrinas idealizadas que só são reais nas mentes de seus aliados, às vezes, por motivos eleitorais e ou eleitoreiros, terminaria por tornar legal preconceitos e discriminações que reduzem os direitos de cidadania dos outros contrários a identidade forjada pelas doutrinas conservadoras e/ou reacionárias. Assistimos isto no ocidente recentemente no nazismo e no fascismo que ainda encontram condições sociais para se reproduzir com uma educação formal limitada de racionalidade e emancipação em favor do pensamento mágico de muitos professores com pouca ou nenhuma formação acadêmica sobre as ciências das religiões.
Neste contexto, barrada a votação dos vetos presidenciais, restava à Presidenta da República laica demitir o ministro pós-moderno em um País que resiste a entrar na modernidade com discurso científico e práticas e teorias críticas no que dia respeito a religião – um dos maiores cabos eleitorais na contemporaneidade. E, para fazer mais do mesmo, lançou mão do loteamento de cargos típica das velhas políticas. Neste modus operandi quase se desfez em uma noite quase tudo que levou o país ao descrédito internacional e a uma onde de desemprego até agora sem fim previsto. Afinal, o que são corpos famintos diante da salvação da alma? Apenas uma parte do purgar diante das escolhas de outros que nada sofrem com crises econômicas no cotidiano.

A laicidade republica tergiversa ao fazer acordo com o Vaticano pelo ensino religioso, foge ao (em)debate ao substituir um ministro crítico e emancipador aclamado pelos progressistas de todos os naipes, até mesmo por parte da oposição “ilustrada”, em nome de um ministro que colocará tudo nos eixos eleitorais ao atuar nas questões quantitativas e não qualitativas.

Nossa crise é de projetos e valores que se traduzem em preços? O preço da propina com oração agradecendo a Deus pela “benção recebida”? Os políticos que se revelam cada vez mais caso de polícia e não de política ou políticas, mas com poder para esmagar os projetos outros? Enquanto no estrelato da fortuna política de salários e gratificações e privilégios típicos da “nobreza de Estado” a crise não os alcança, nos andares bem abaixo, um em cada cinco lares há desemprego total. Mas, em comum, muitos, dos lados todos, com as mãos molhadas? Passados mais de cinco séculos do início do padroado na Terra Brasilis os embates entre fé e razão, crença e ciência ainda movimenta os bastidores da política mesmo que os corpos paguem em benefício da alma e a educação seja a imolada?

sábado, 19 de setembro de 2015

Sobre postes e criadores: Desafios para a sobrevida do governo Dilma

Não apenas Dilma foi reeleita em uma das disputas mais acirradas da história eleitoral do Brasil democrático, como isto era um prenúncio dos tons de cinza que poderiam predominar em sua gestão. Embora no discurso da vitória, no dia 26 de outubro de 2014, ela afirmasse não acreditar “que essas eleições tenham dividido o país ao meio.”; foi o que de fato ocorreu e ocorre.
Aécio obteve 48,36% dos votos válidos e Dilma, 51,64%. Uma diferença de quase 3,5 milhões de votos. Como se esta baixa diferença não fosse o suficiente para fragilizar a sufragada, ocorreu aproximadamente 20% de abstenções, 6% de votos nulos e 4% de votos brancos. Ou seja, aproximadamente 30% do eleitorado não aprovavam Aécio ou Dilma.
“São” estes 30% que emitem opiniões nada fáceis de analisar, decifrar ou equalizar no mapa político e no espectro do poder, até hoje, em meio a manifestações com mensagens entre o confuso e o contraditório, indo do impeachment ao pedido de volto dos militares. Do com partido ao sem partido, do “fora corrupção” à volta da monarquia.
Pelo país afora a oposição, liderada pelo PSDB e aliados, que obteve aproximadamente 51 milhões de votos, contra os 54,5 milhões de votos que sufragaram a presidenta, tenta cooptar o movimento, ainda amorfo, dos descontentes - somados aos seus eleitores, de onde a acusação de se pleitear ganhar a eleição na base de um “golpe”; afinal, apesar da aprovação da presidenta estar em menos de 10% nem todos concordam com a expulsão da mesma do Palácio do Planalto.
De todas as tentativas da oposição fazer parar o atual governo, e conduzi-lo à renúncia ou impeachment, o lema do combate a corrupção tem sido o mais alardeado e o que mais tem surtido efeito, todavia, na prática, a que mais tem aturdido o governo e atingido a população são as “pautas bombas”. Todavia, as bases das denúncias, no que tange a presidenta, ainda carecem de provas. Mas, mesmo assim, a operação “Lava-Jato”, quase uma continuação do “Mensalão”, gera um desgaste progressivo mesmo naqueles 51,5 milhões que reelegeram Dillmma onde o plano é a tempestade perfeita: o povo na rua numa representação maior que os eleitores do PSDB e dos descontentes com os partidos que votaram nulo ou em branco – que ainda não ocorreu apesar dos clamores para que o povo vá para as ruas indignados.
Assim, os 51,5 milhões de eleitores passam a se polarizar entre manter a legitimidade do governo sufragado ou não. Mais que isto, apesar de concordar com a permanência de Dilma no poder, esta se relativiza por não considerar a forma de governar legítima diante das promessas eleitorais recentes da presidenta e históricas do Partido dos Trabalhadores. Assim, quanto mais o PT se alinha no centro-direita, onde Kátia Abreu e Joaquim Levy são apenas os sintomas mais visíveis da quinada à direita, mais perde apoio de suas bases históricas e parlamentares e causa escândalo ao propor uma reforma ministerial onde os principais atingidos são os temas históricos dos trabalhadores pela demanda da igualdade, da pluralidade e da diversidade, entre outros.
Situação difícil a de Dilma que diante da Lava-Jato e do Mensalão viu esboroar, em tese, um dos mecanismos mais tradicionais de governabilidade do País, a “compra de votos” e o financiamento empresarial via “doações ao partido”. E, como se isto não fosse o bastante, desalinhou o movimento crescente do capitalismo que se viu sem as estruturas do Estado para permanecer ascendente via obras públicas. Posto isto, surge mais uma hipótese, acaso é possível lucro sem corrupção e fraude? Ou, para complicar ainda mais o quadro da governabilidade, acaba por clamar a certa “política dos governadores” para sobreviver e fazer votos em seus projetos que só fazem reeditar o já dito e não cumprido.

Neste campo minado da ética, não poucos históricos defensores dos princípios da administração pública – legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, eficiência – tergiversaram diante da realidade bruta dos fatos e passaram a acusar a operação “Lava-jato” de responsável pela crise econômica, para além da política. Honestidade não rimaria com crescimento econômico quando se está no poder, apenas quando se está na oposição?
Nesta guerra de Ciclopes, enquanto a Lava-jato não se encerrar haverá muitos políticos sedentos por justiça que poderão acabar “enjaulados”, ainda que muito temporariamente, apesar da seletividade na informação às massas via indústria cultural que só publica as notícias contra os oponentes. Desonestidade do próprio grupo não é crime, mero deslize a ser perdoado em confissão privada.

Fica um fato, o criador diante de sua criatura poste que pretendeu ter luz própria, não passou de uma metáfora efêmera do personalismo solar onde a lua acabou eclipsada e se quiser sobreviver terá de render homenagem ao grande patriarca nordestino estabelecido nas terras paulistas?

segunda-feira, 14 de setembro de 2015

A crise entre preços e valores

Nos países capitalistas, e mais acentuadamente nos periféricos como o Brasil, a confusão entre valor e preço é reiterada por mecanismos de controle e exploração social que vão da publicidade e propaganda passando pela novela até a configuração das eleições e o acesso ou não aos recursos de ponta do Estado e a prestação pública de contas.
As pessoas e a ciência (dentre estas a prima donna é a economia) no contexto capitalista contribuem para isto, tendem a não entender que preço é o pagamento em dinheiro, é a relação entre a quantidade das necessidades e a de bens disponíveis; já o valor é relativo à ética, – como um bastião de resistência aos avanços inumanos do capitalismo e outras formas de controle, domínio, exploração e exclusão contemporâneos, – significa as características que decidem a maneira de proceder, de escolher o modo de agir em conformidade aos princípios. A confusão linguística é reveladora das práticas.
Diante desta possibilidade palpável, no nosso cotidiano, fica a questão: quantos dos atores sociais, políticos, culturais, religiosos, entre outros, podem agir de modo a superar esta estrutura econômica que trabalha para reduzir tudo ao preço, ao cálculo dos rendimentos onde até o Recurso Humano é utilizado como instrumento de ampliação de lucros?
No terreno do político basta ver que a tendência é haver políticos profissionais que vivem da política e não para a política. Os cargos eletivos, ou de indicação política, tornaram-se um dos principais meios de ascensão econômica e social num país onde o salário dos pobres à classe média é uma piada de exploração internacional.
Baile de máscaras partidárias onde quase todos dançam as mesmas músicas neoliberais com diferentes tampões que alteram a dimensão do som, mas, ao final, todos se locupletam nos preços em nome da decadência do valor humano, mesmo dos direitos humanos. Ponto máximo nesta equação é pensar até onde se elegem representantes da democracia ou se escolhe os que liderarão a corrupção?
Mais que isto, muitos dos atores, de modo geral, são imaturos do ponto de vista dos valores segundo a análise de Lawrence Kohlberg e, assim, não conseguem ultrapassar as dimensões dos interesses que os rodeiam, da transformação de princípios universalizantes em religião, enquanto visão de valores. Um reducionismo que torna quase inviável a vida democrática em todo seu colorido, diversidade e pluralidade - típicas da realidade do século XXI. Assim, transformamos o Cristo em religião cristã, o Buda em budismo, e por este caminho trilhamos o mais do mesmo, sem grandes avanços fora das estruturas que nos controlam e contorcem em favor do sofrimento que purifica a alma e escarnece a carne.
Muito da atual crise política no Brasil, uma entre as muitas do capitalismo que tem como meta ampliar lucros e reduzir custos, ou ampliar o preço do produto e baixar o preço do salário – o ajuste ocorre em termos de perdas salariais, – é a transformação dos valores pessoais-religiosos em querer universalista. Assim, não aparecem as reais causas do conflito entre os dirigentes dos cargos eletivos mais importantes da nação.

De um lado, os que defendem os valores humanos universais e universalistas em favor de uma pluralidade e diversidade prática; de outro, os que desejam moldar o valor universal a partir de sua própria concepção de mundo, não raro religiosa, numa abstração onde a maior parte da humanidade não se enquadraria a não ser por meios autoritários. De tudo fica um fato, se o Sr. da vertente religiosa dominante no ocidente voltasse hoje, Cristo, ele se negaria a conviver com muitos dos que pregam em seu nome mas pervertendo a noção de perdão, de caridade, de solidariedade e emancipação que tem como meta “fazer o bem sem olhar a quem”.
Em termos explícitos, a questão de gênero – pedra de toque nos fundamentos das hierarquias explorativas e de excludência – não vêm à tona nos discursos, mas move as práticas onde a ponto do iceberg foi a disputa ao redor da questão nos planos municipais de educação e a cereja do bolo hoje seria a exoneração do ministro da Educação - Renato J. Ribeiro. A bancada da bala e da bíblia unida preferem ver a derrocada dos corpos via “choro e ranger de dentes” – desemprego e fome, resseção e crise política gerada na base da seletividade das denúncias e apurações – do que aprovar medidas que legitimem o atual governo rumo a liberdade dos corpos e das mentes.

E você acreditando que vivemos em uma democracia de Estado laico?

domingo, 6 de setembro de 2015

Carl Hart e a questão étnico-racial e classe

Há fatos que não precisam ocorrer para tornar-se realidade. Estes acontecimentos revelam as ações cotidianas de uma época, de uma nação, de uma classe, de um grupo,... . Maria Antonieta que o diga com a célebre frase sobre pães, cunhada pelos opositores da monarquia em busca de uma propaganda eficiente para mobilizar as massas. Nos tempos atuais a edição da notícia em escala industrial é o fenômeno mais corriqueiro desta construção do real pelo uso das mentalidades, de forma igualmente seletiva, em favor de um grupo ou fração de classe.
Com Carl Hart, 48 anos, Professor Titular em Nova York, não é diferente. A notícia que se espraiou pelo País, e até fora do Brasil, sobre ser barrado em Hotel sofisticado da capital de SP, foi aceita como real devido a fragrante discriminação étnico-racial cotidiana. A proibição de circulação de adolescentes por Shoppings - exatamente por aqueles que deveriam proteger seu direito de ir e vir com autonomia via Justiça – entenda-se pessoas da periferia, em sua maioria negra e parda, é apenas um dos sintomas. Tão só uma cena, em um roteiro que se expande sem constrangimento, da imposição da discriminação étnico-racial, por classe e gênero.
Embora ainda pairem pontos discordantes no enredo que envolveu o professor Carl Hart, a fala dele deixa claro que algum tipo de constrangimento ocorreu no hotel que hospedava um dos encontros realizados pelo Instituto Brasileiro de Ciências Criminais  (IBCCrim) – entre os mais seletos do Brasil, realizado em Hotel de elite, o Hotel Tivoli Mofarrej.
Se você, que lê este texto, for branco ou reconhecido socialmente como branco no Brasil, talvez não queira entender o que ocorreu com o professor da Universidade de Columbia. O enredo é muito comum nos espaços das frações de classe dominante, passando por shoppings, repartições e vias públicas onde se pensa encontrar apenas os socialmente brancos. Nestes espaços todos os nãos brancos são suspeitos. Basta fazer uma prova. Convide um amigo negro ou mulato para que ele vá a um destes espaços e observe de longe se ele é “discretamente” monitorado. Vigiado é a palavra correta. Ele é o suspeito por excelência, quer aqui ou nos EUA. Caso não tenha nenhum além de empregados, é uma demonstração cabal da situação de apartheid informal que nos rege.
Todavia, a posição de Hart, de negar quase veementemente tal acontecimento, demonstraria um problema muito maior? A aceitação do não branco nos espaços “reservados de fato, embora não por lei” ao tidos e havidos como brancos só é tolerada se  este embranquecer nas atitudes negando a consciência étnico-racial? Ou seja, a frase de Hart “um segurança iria me abordar” ou “É verdade, mas foi (algo) menor” são apenas correlatas desta situação?

“Algo menor” diante do que ocorre com os negros e pardos “apenas” pobres no Brasil e/ou nos EUA? E, assim, por esta via, Hart acabou prestando um desserviço ao grupo étnico-racial que poderia representar para além do discurso acadêmico. Terminou por dizer que é um problema “apenas”, como se pudesse ser apenas, de classe e não de racismo numa democracia formal.
O problema é de classe, de gênero e étnico-racial. Não afirmar isto é como temer o poder dos dominantes que poderiam dizer o anátema “Até aqui virá, e daqui não passará” em sua carreira Dr. Hart?
E, para ampliar a análise do professor em uma de suas análises, no Mofarrej, em meio ao encontro do IBCCrim, afirmou: “Apesar de os negros serem menos da metade dos usuários de drogas nos EUA, eles compõem muito mais da metade dos presos por causa de drogas. Um em cada três jovens negros americanos serão presos pelo menos uma vez na vida por causa da lei de drogas”.
Isto é revelador do fato de o “uso branco” ser “dependência” ou “doença” e o tráfico, crime? O pobre negro traficante é punido; o branco, em especial o das frações superiores de classe, é inocentado?
Ao invés de dizer: “(...) a guerra às drogas tem sido usada para marginalizar os pobres”, a frase não seria “a guerra às drogas tem sido usada para marginalizar os negros, no ocidente”? E, neste ponto, aluta pela descriminalização do tráfico seria uma luta pela igualdade étnico-racial? Sim, são os negros os mais assassinados, segundo a Anistia Internacional.

No caso do professor que se tornou uma referência, não poderia ao invés de “aliar-se” ao dominante explorador ao afirmar que no seu episódio foi um “caso menor”, asseverar que o seu caso foi exemplar do que ocorre aos milhares no cotidiano e esquecido ou abafado pela falta de projeção social dos envolvidos?

Não há caso menor em questão de racismo e isto deve ser compreendido pelo Dr. Hart ou pelo judiciário que sistematicamente desmonta e torna a lei que criminaliza o racismo em “letra morta” em nome da injúria racial. 

domingo, 23 de agosto de 2015

O poder da crise ou “apesar da crise”

Não nos enganemos. O capitalismo é um sistema de crises e as atuais crises política, econômica, elétrica e hídrica, entre outras, cumprem o papel fundamental do sistema de concentrar capital ou extrair capital do cidadão consumidor e trabalhador.
Uma das frases mais citadas nos últimos noticiários tem sido que ocorre investimento das grandes fortunas privadas “apesar da crise”. Não é apesar da crise e sim devido a crise. A crise gera as oportunidades de investimentos com alto retorno devido ao baixo índice de empregabilidade que possibilita menores salários e menos direitos sociais. Maiores vantagens em acordos com o Estado, como isenções e financiamentos a maior prazo e com menores juros, existência de capital a ser aplicado por investidores sedentos por lucros imediatos, entre outros fatores que favorecem o capital privado e esgarça o sistema de proteção social, de direitos trabalhistas.
Exemplo típico deste “apesar da crise” é o 11 de setembro dos EUA. Enquanto muitos choravam seus mortos, outros tantos a perda do emprego, muitos mais temiam os impactos da “doutrina do medo” ancorada no terrorismo; alguns poucos planejavam e efetuavam lucros multibilionários com a previsão da ascensão do mercado de armas, ouro e petróleo. Assim, em frações de minutos algumas economias evaporaram e fortunas se consolidaram.
O cassino do capital não para; mudam os jogadores e até os edifícios que sediam os jogos, mas, a febre alucinada por mais lucro não cessa. Isto o que ocorre agora com o Brasil. Após anos de avanços sociais, políticos e econômicos chegou a hora do grande capital apresentar a fatura e recolher os lucros vendendo ações, clamando por redução de custos e ampliação da idade de aposentadoria sem maiores ganhos monetários para mantê-los ativos no mercado. Até a família vê ceder seus direitos com a redução da parte a ser paga ao pensionista. Nada fica de fora do lucro, da concentração de renda.

Neste ponto a crise política no Brasil cumpre o papel de reduzir direitos sociais e trabalhistas, entre outros, da seguridade social, em nome da empregabilidade, da redução do custo Brasil, em outros termos, em nome da ampliação da extração do lucro do trabalho assalariado para maior competividade no planeta em condições semelhantes aos dos piores países socialmente falando.
As crises hídrica e elétrica retiram do cidadão comum parte fundamental de seu salário e com isto subsidia as grandes empresas que podem fazer acordos para manter-se no Estado ou no município com  redução de custos. E, com isto, “apesar da crise” não se expande o direito ou se incentiva a produção de energia solar nas residências pois retiraria o consumidor do papel passivo de ficar sem recursos e colocaria como agente do mercado e ampliador de seu renda, ou seja, inverteria o papel da crise que é concentrar o capital e ampliar a exploração.
A crise política por sua vez escamoteia o sentido das ações políticas ao grande público tentando ocultar o poder das engrenagens econômicas no comando da política que é financiada pelas grandes fortunas durante a campanha e, por vezes, mesmo depois. Neste ponto, nota máxima, a manifestação da FIESP e FIRJAN pelo fim da “crise política” ao lado de uma das maiores redes de comunicação conclamando pela governabilidade de Dilma acenam para o fato máximo: os objetivos imediatos de ampliação dos mecanismos de lucro e controle social foram atingidos cabendo ao Estado retornar ao ponto de ampliação da produtividade e consumo.

Todavia, nesta equação só não se contava com um aspecto surpreendente, a desvalorização da moeda chinesa. Um susto que pode tornar a crise espetáculo em crise de fato, mas, no ponto final, “apesar da crise” a crise para quem? Para o cidadão consumidor e trabalhadores que vive o choro e o ranger de dentes; aos donos do capital, apenas a rotina do cassino.

quarta-feira, 12 de agosto de 2015

Questão de processo de acumulação

A sociedade humana tem se notabilizado pelas formas violentas de exclusão ao longo da história. Temos mais tempo de solução dos embates pelo uso da força que do diálogo. Temos mais tempo de abuso de poder do que de Direitos Humanos. Temos mais tempo de escravidão legal do que defesa da liberdade e da igualdade e da fraternidade para todos. Temos mais tempo de Direitos do Homem que de Direitos da pessoa (gênero e de diversidade e pluralidade). E assim segue.
                Não por acaso muitos são incapazes de compreender o mundo atual. Com uma educação formal de qualidade duvidosa a solução mais fácil para ser o engodo mais a antigo: o uso da força, do constrangimento, da perseguição, da exclusão social, da prisão.
                No que diz respeito a exclusão social vários países encontram problemas para escamotear sua distinção entre cidadãos de primeira, segunda ou sabe-se lá que fração de classe.
Este o caso da proibição de menores em Centros de Compras que por definição seriam espaços privados de uso público. Assistir  autoridades jurídicas que deveriam defender a criança e o adolescente acabam por primar pela defesa do capital excluindo tais cidadãos de direitos da cidadania - exclusão por classe.
Ler que um juiz amplia a diferença étnica da comunidade negra – e não só desta – ao negar ao candomblé o estatuto de religião chamando-a de seita é ápice de um pensamento positivista, há muito criticado por suas limitações e discriminações, em favor de um grupo que se pretende dominante e em detrimento dos os outros, os não brancos, os não cristãos.

Perceber que a configuração do crime de racismo é letra morta, pois, a maior parte dos juízes são brancos e aos crimes de etnia e raça atribui o qualitativo de injúria, fazendo assim que a lei não tenha o efeito necessário e urgente diante de séculos de escravidão e de abusos diante da cor da pele que não a europeia é vexame internacional nas terras verdes e amarelas.
Ler diariamente, na mídia social mais popular do planeta, que além de homens – fato reiterado no machismo de plantão – mulheres atacam a presidenta exatamente por ser mulher e atribuir a isto a sua incompetência é a evidência do quanto a mulher branca das frações dominantes tendem a ser a maior parceira do machismo, como dizia Heleieth Saffioti, e reproduz uma violência da qual também é vítima no espaço privado e por vezes público.
E, no topo desta lista, fica o anseio desmedido de grupos que diante da violência reiterada da sociedade defende o nazismo, a ditadura e a exclusão como motes à luz do dia com a conivência cúmplice de instituições regidas por pessoas com convicções pessoais nada democráticas ou humanitárias.

                Temos muito que trabalhar educando para transformar a visão de mundo excludente em inclusiva, de discriminadora para plural e diversa, de coação para emancipação. Enquanto falarmos “deveria” e tivermos dificuldade de expressar o “poderia”... a liberdade será uma conquista e não um direito, apesar do adiantado da história.

quinta-feira, 6 de agosto de 2015

Embates e manifestações

Alguns embates são milenares. Outros seculares. Embates Milenares assumem diferentes variações ao longo dos séculos. Este o caso da legitimidade da posição social, do status.
Uma das formas mais longevas de status é o nascimento. Do mundo grego, passando pela monarquia, aos “bem nascidos do capitalismo” é uma constante que encontrou diferentes formas de legitimação histórico-social-político-cultural-científico.
Ao mundo antigo e às monarquias interessavam o nascimento divinizado. Quer o herói grego – um semideus –, ou o nascimento de origem divina das monarquias absolutistas – mas, não como casos únicos na história – o papel do sagrado foi lapidar para a detenção do poder que subjuga, controla e explora a maioria da população. Num contínuum histórico do mundo antigo ao moderno o papel da religião foi fundamental para o controle social tido e havido como legítimo pela maioria das consciências.
Legitimar um mundo organizado, para os gregos, criado, para os cristãos, pela(s) divindade(s) foi papel desenvolvido pelas religiões clássicas e depois pelo cristianismo, primeiro católico e, posteriormente, também, protestante. Neste terreno o papel educador era predominantemente realizado pelas igrejas e seus anexos – conventos, mosteiros, escolas religiosas...
Todavia, a este poder divinizado que se escorava na estabilidade das relações sociais, econômicas, políticas e, sobretudo, na produção do conhecimento que não escapava aos limites do legitimado pelo poder, encontraria a crise em sintonia ao final do mundo moderno.
A substituição progressiva da nobreza e da realeza por outras forças na economia, primeiro, e depois, no poder de Estado, precisaria de outra ideologia – enquanto ciência das ideias – para legitimar-se no poder.
Não é mero acaso histórico que a obra de Charles R. Darwin, A origem das espécies, de 1859, tenha sido produzida depois da Independência dos EUA, 1776 – data da Declaração da Independência – da Revolução Francesa, 1789, entre outras datas republicanas que substituíram a monarquia como forma de governo legítimo e nobreza enquanto grupo de privilégios. 
Aquele mundo natural de ordem estável universal eterna da explicação religiosa, já não contemplava os interesses políticos, econômicos e culturais da nova classe que assumia o poder e fazia construir e impor sua visão de mundo. Neste ponto, substituir a ordem divinizada de saberes de verdades eternas imutáveis pela ordem científica de saberes provisórios era fundamento da legitimidade do poder que controla e explora a ordem social no capitalismo de tem como mote a circulação das classes - mais na teoria que na prática.
A origem das espécies traz uma ideia, primeiro ridicularizada pela religião e pela burguesia, devido ao seu poder original e exemplar, todavia, com o tempo, a elite capitalista e política das repúblicas notam seu papel legitimador da nova ordem em substituição a ordem monárquica. Embora a igreja permanecesse no discurso defendendo que o melhor dos regimes era a monarquia, na prática, esta perdia espaço a cada década.
Legitimar este processo histórico de substituição do poder historicamente construído e instituído  encontraria sua pedra de toque na ideia da evolução. Assim, a história seria uma evolução onde a transformação realizada pelos mais apitos iria se impor por uma questão de razão. Deste prisma evolutivo da sociedade humana, numa transposição grosseira do biológico para o cultural – Darwinismo social – a burguesia encontrou uma âncora para o seu poder. Os mais ricos, os mais adaptados a ordem capitalista e a seu modelo civilizacional seriam os que permaneceriam no jogo e a circulação das classes garantiria a equação.
Estas ideias, mais que criticadas pela humanidades, permanecem nas mentes e nos corações de muita gente que quer se auto representar e se autocompreender como ápice da elite evolutiva social, cultural, econômica e política. Neste ponto, parte-se para a deslegitimação e desconstrução de qualquer outro discurso que possa trincar o edifício “científico evolutivo” que tantos serviços prestaram e presta ao capital na legitimação de uma circulação das elites que pouco existe no plano real.
O Estado de bem-estar social seria uma das trincas deste edifício legitimador da ordem de controle e exploração da maioria no capitalismo republicano e democrático. Este Estado de bem-estar social visto no Brasil na letra da lei, há décadas, é o pomo da discórdia na política contemporânea. Mais ainda quando viabiliza de fato, e não apenas por direito, a ascensão de  frações de classes.
Certo grupo que se autocompreende como “elite” – não passando quando muito de classe média – se exaspera por ver como políticas públicas bem elaboradas, com eficiência e eficácia aplicadas, podem não ampliar o nível de status de todos, mas, antes, entendida como redução do nível de status das "elites tradicionais". A preocupação não é com o bem-estar coletivo, mas, com o sentimento privado de sucesso individual e individualista que se vê limitado pela possibilidade de uma parte da sociedade, que era mantida na miséria como plataforma de exploração ad infinituam, ser minimizada em seu grau de aviltamento.
Neste ponto de disputa, qualquer ator social que possa parecer “trair” sua classe em nome do bem-estar é severamente punido. Os exemplos não são poucos: o advogado fotografado em camisa sem mangas e vilipendiado como se fosse mais um dos disponíveis ao clamor de uma distinção entre os que podem ou não estar no aeroporto e voar; Jô Soares ao entrevistar a Presidenta foi ameaçado de morte; o príncipe da Sociologia FHC destratado por defender a possiblidade de inocência evitando o pré-julgamento que tanto agrada aos defensores do Estado de exceção, da Ditadura e do autoritarismo.

Estas vertentes de uso da força como meio de legitimar o poder, pensando que fazem parte da elite evolutiva que nunca existiu, apesar do nazismo que implica, é uma excrecência histórica no século XXI. Afinal, a democracia pode e deve conviver com o diverso, o plural, e neste incluso, o direito a vida e manifestação de nazistas, ditadores, autoritários e outros naipes ao mesmo estilo. O que a democracia não pode é permitir que estes grupos assumam o poder de legitimar a ordem e de tomar o poder. Mais que isto, a democracia precisa cumprir o papel de educar e evidenciar que por trás de nomes como “Brasil Livre” estão pontos de vistas duvidosos na referência democrática e um de seus baluartes, os Direitos Humanos.
Afinal, se o uso de termos belos à sociedade democrática – mesmo que evolutiva -  fosse garantia de bem-estar o lema do PCC poderia ser aplaudido em praça pública pelos incautos e desinformados: “Paz. Justiça. Liberdade”.

Ao sair as ruas nas próximas manifestações lembre-se, não pode os meios democráticos de participação, de liberdade, de expressão serem meios para legitimar a ausência de liberdade, de Direitos Humanos e do Estado Democrático de Direito. 

quinta-feira, 30 de julho de 2015

Justiceiros?


@ justiceir@ parte da ideia de que é capaz de fazer justiça tomando para a si a capacidade de decidir o que é justo, moral, injusto, imoral, criminoso ou ilícito em conformidade ao senso comum palatável a cada cultura em seu tempo e espaço em detrimento da função do Estado; considera que as instituições não são capazes de realizar a justiça com o mesmo rigor e urgência. Tomado pelo sentimento de injustiça toma para si a ação que seria do Estado e, à margem da lei, portanto, incorre em crime. Partem, @s justiceir@s para fazer justiça com as próprias mãos quer sejam civis ou representantes do Estado.
Fortalece-se o fenômeno do justiceiro na medida em que o Estado não reprime tais ações, por seus meios legítimos e legais, com eficiência e eficácia. É fenômeno que reflete a ineficiência ou ausência do Estado e, mais que isto, uma certa conivência silenciosa com o statu quo social, mesmo que ilegal, de fazer justiça com as próprias mãos da turba pouco educada – uma cumplicidade baseada em valores sociais que não são legitimados pela ordem legal e dos Direitos Humanos.
O Brasil tem assistido ao crescimento desta ação em diferentes campos sociais face a quase inoperância do Estado.
Do ponto de vista religioso a quebra ou desfiguração de imagens católicas, em praças públicas ou templos que são invadidos, tem a mesma raiz e tem se tornado rotina e tem sido ignorada a sua importância social enquanto deslegitimação do patrimônio histórico cultural e artístico do cristianismo católico em favor de outras visões religioas em franca expansão em número de votos e ausência de ecumenismo ou tolerância religiosa, nem escreverei sobre aceitação religiosa. Não é preciso evocar que se aproximam, tais ações, do justiçamento realizado pelo Estado Islâmico que destrói imagens históricas milenares em nome da religião enquanto instrumento político de controle e exploração. São, na realidade, uma vergonha para o islã.

Na mesma linha de conduta de justiceiro, Kailane Campos, com 11 anos de idade e iniciada no candomblé, foi alvo, no dia 14 de julho de 2015, de cristãos, numa denominação genérica de evangélicos, que denigriram e insultaram a jovem e a avó dela, a mãe de Santo Káthia Marinho. Segundo esta “O que chamou a atenção foi que eles começaram a levantar a Bíblia e a chamar todo mundo de ‘diabo’, ‘vai para o inferno’, ‘Jesus está voltando’" e, assim, com a Bíblia em uma mão e uma pedra na outra fizeram da menina alvo de “apedrejamento” em praça pública. O caso foi registrado como lesão corporal, provocada por pedrada, preconceito de raça, cor, etnia ou religião. Na prática assumiram o papel de justiceiros ao ressuscitar o apedrejamento bíblico, uma demonstração de questionamento da ordem do Estado Laico na firme certeza de que ficariam impunes. Afinal, no Brasil o crime de racismo não alcança os brancos sempre condenados por injúria racial, fazendo-se assim, cúmplice com a letra morta via judiciário.
O arcebispo do Rio de Janeiro atento ao que ocorre na sociedade  - e com sua Igreja em particular – e as repostas (ou seria a ausência desta) dadas pelo Estado aos crimes de depredação de imagens religiosas católicas, somou sua voz a de Kailane Campos e Káthia Marinho.
Em um outro vértice da mesma questão, no dia 6 de julho de 2015, foi espancado até a morte Cleidenilson Pereira Silva, em São Luís, no Maranhão, após tentativa de assalto. E, não é caso isolado no Maranhã ou no Brasil. É de se notar que o linchamento atingiu com vigor o “suspeito” negro e poupou a vida do indiciado “branco”.
A impunidade dos justiceiros é garantia de repetição em meio a uma população entre cúmplice e algoz, quando não vítima. Mais que isto, a fala contra os Direitos Humanos de tantos “ilustres” da mídia, neste campo minado de direitos, com redução da idade penal aplaudida por parte significativa da sociedade, faz surgir candidatos aos executivos municipais, eleição de 2016, onde este caráter justiceiro – uma releitura do caçador de marajás, só que voltando a ira secular das injustiças sociais e judiciais, agora, para os mais pobres – passa a ser tônica simbólica. Não por acaso nomes como Datena e Russomano, além de militares e delegados, vêm à baila com “notoriedade”.
 Ou, para além disto, nas manifestações contrárias ao governo federal de Dilma Roussef palavras de ordem pela ditadura – o que é crime – alardeiam-se ao calor do dia com a cumplicidade das autoridades que refletem o pensamento mais que secular de que política social é questão de política e não de política pública.
Tristes tempos onde o Estado é quase de exceção, onde a ausência da eficácia do direito suspende o Estado de Direito, e parte da população vibra com isto – diante da exploração que são submetidos vingam-se dos andares de baixo. Isto demonstra a nossa fragilidade enquanto nação democrática de direito.







domingo, 12 de julho de 2015

Cristiano Araújo na voz de Zeca Camargo: a questão da “crítica da arte”

Quanto Immanuel Kant (1724-1804) abordou a questão da estética e o papel do artista afirmou que o gênio artístico é original e exemplar, ou seja, é o formador de novas regras na arte que produz a tal ponto que se torna exemplo a ser observado pelos demais artistas da área em questão. Este o traço das contribuições originais. Cristiano Araújo passaria por esta peneira?
Pela peneira de Kant, possivelmente, passaria Aleijadinho, Oscar Niemayer, Machado de Assis, Heitor Villa-Lobos, Elis Regina, e alguns outros. Bem poucos outros!?
Zeca Camargo não errou ao analisar a produção artística de Cristiano Araújo. Equivocou-se no tempo que o fez. Não analisou a comoção popular como elemento do show business, da lucratividade da indústria cultural que pouco ou quase nada quer com o gênio ao estilo definido por Kant por propiciar pensamento e sentimentos livres e autônomos que podem tirar o povo da massa consumista.
Cristiano Araújo é fruto de seu tempo e espaço. Conhecido “nacionalmente” estava num terreno entre a cultura popular e a mídia de massa; num ponto onde o sucesso está marcado pela lógica do lucro e pela da exposição visceral. Onde o músico é produto temporário, mas, no emergir tem força suficiente para movimentar milhões pelas massas que o consomem no formato de shows, CDs e DVDs, conteúdo de jornais, revistas, sites, etc. Assim, e não por acaso, uma de suas maiores defesas foram a cifras que movimentou no país enquanto vivo e, para o lucro do espetáculo sua morte renderia ainda mais pela comoção que se ameniza pela via do consumo das “últimas lembranças”.
Zeca Camargo ao buscar fazer uma autocrítica, no sentido de viabilizar uma análise do meio do qual é fruto, a mídia de massa com sua lucratividade pela “arte” produzida em massa e quase unitemática – o alienante amor burguês individual e individualista que faz do outro objeto e não sujeito do amor, onde o “caipira enlatado em moldes semi-norteamericanos é o ápice da “sofrência” egoística – terminou por expor o quanto o público da mídia de massa é limitada pelo próprio meio que a (des)educou e vista diante do espelho ignaro se recuou a olhar o espelho o narciso Zeca se refletia.


O choque não poderia ser menor para um público colocado diante de uma crítica feita magistralmente pela Escola de Frankfurt. O trauma comovente uniu as massas, as mídias para a inquisição midiática do crítico que se rendeu penitente e pediu desculpas diante do fato, já assinalado pelo kant – que possivelmente poderia ter inspirado um Zeca Camargo crítico – a razão cria monstros que a própria razão desconhece! 

sábado, 27 de junho de 2015

Carta aberta ao LLulla ou as razões da decadência do PT

“Revolução vinda de cima” e adesismo são as duas das pragas políticas que acentuadamente marcam a História do Brasil, sem querer tocar no clientelismo e no mandonismo, por hora. E, estes os elementos que conduzem o Partido (que foi) dos Trabalhadores ao cadafalso do poder.
Ao ser sufragado à Presidência da República o Partido dos Trabalhadores rendeu-se a forma mais tradicional de poder, o personsalismo – e neste ponto da história o foco de quase tudo – o lulismo. Interessante como a substituição da monarquia não obliterou as razões de poder pessoal. Inicia-se neste ponto o conservadorismo do Partido dos Trabalhadores.
Ao lado do personalismo, uma das seduções do poder é aliar-se aos detentores do poder tradicional. Esta uma tendência história do domínio monárquico ou burguês republicano e/ou democrático. Aliar-se aos tradicionais detentores de poder político e econômico equivale ao adesismo dos partidos políticos. O rei está morto. Viva o Rei! Melhor dizendo: Viva o Presidente!
Neste enredo tradicional do poder o Partido dos Trabalhadores se aliou aos que se propuseram da fundação à campanha que os elegeu – mesmo diante da “Carta ao povo brasileiro”, de 2002 – se não combater, construir uma modelo alternativo de governo para viabilizar um novo modelo de sociedade pautada pela democracia na busca da tão propalada fórmula da justiça social.
Todavia, unir-se aos oponentes opulentos para viabilizar projetos de “justiça social” era o suicídio político retardado pela morfina do poder. Este adesismo partidário perpetuaria um poder onde as contas públicas roeria os lanços. Num acúmulo contínuo de desgaste de poder diante de um povo que assiste a “esperança que venceu o medo” ceder diante dos fatos: juros altos, desemprego, impostos, taxas, inflação, cortes de direitos trabalhistas, redução dos direitos de pensionistas, em suma, retorno, em um prazo de menos de um ano (2014-2015), a patamares semelhantes ao que era chamado de “herança maldita” do PSDB e piorando, em muito, a vida da classe média tradicional, até então uma sobrevivente histórica do financismo do Brasil.
Ao buscar uma “revolução vinda de cima”, no caso das elites partidárias e econômicas, o Partido dos Trabalhadores se afastou gradativamente de suas bases históricas para se refestelar com as bancadas religiosas, com os banqueiros e empresários que muito receberam do Estado e pouco, ou quase nada, fizeram de efetivo para além do financiado pelo dinheiro do povo – afinal, neoliberalismo bom é para o povo – ou sem avanços de políticas públicas de terceira geração –, aos empresários continua valendo o financiamento público em longo prazo e com juros subsidiados pelo suor alheio.
Face a esta cesta de elementos – onde Cleópatra colocou a mão e morreu para manter a coroa mesmo perdendo o reino – realizar o suicídio, para fazer como Vargas “saio da vida para entrar na história”, no caso, da vida político-partidária, seria o golpe mais vil. Posar de bom moço, de defensor do projeto histórico do partido e da ética quando fez aliança de Collor a Maluf, passando pelo isolamento de Suplicy e outros aliados críticos que se mantiveram no projeto contra as razões pragmáticas do poder, é construir um castelo com areias movediças que conduzirão o lulismo e o petismo – num abraço de afogado – para onde a direita e o capitalismo sempre sonharam e trabalharam para atingir: o desabono.

Neste ponto – e não por acaso – na véspera de embarcar para os EUA (27 de junho de 2015), a Presidenta DDillmma acenou com força para seus aliados históricos – as mulheres, em especial, e para os grupos discriminados – ao pautar a questão de gênero e poder, no caso o dela mesma como quem esperava comoção. - “Você já ouviu alguém dizer que um presidente homem se intromete em tudo? (...) Acredito haver um pouco de víeis de gênero. (...) Você tem de conviver com as críticas e com os preconceitos.”
Não haja dúvida presidenta que a questão de gênero pese, mas, foi o seu governo um dos que mais compactuo com os aliados que trabalham contra o que chamam, os oponentes, de "ideologia de gênero". Agora colhe o amargor de ser cúmplice do machismo, do patriarcado, tudo devido ao fato de ser branca. 
No mesmo dia, 26 de junho de 2015, a Suprema Corte dos EUA decidiu pela legitimidade do casamento entre pessoas do mesmo sexo. E, neste ponto, acenando para os aliados históricos do PT, do Planalto ao Ministério das Relações Exteriores, passando pelo Ministério da Educação, palco doa maiores embates dos combatentes contrários aos estudos e ensino de gênero, foram iluminados pelas cores do arco-íris – símbolo da diversidade humana.
Para um bom entendedor, um ponto é letra?
DDillma deseja romper com as alianças espúrias de LLulla - o grande patriarca do PT. A criatura chegou a maioridade e deseja ir para além do que os olhos do mestre possam enxergar ou pretenda controlar. A mulher quer emancipar-se via feminino. Novos ventos virão a tona, entre elas, o alvoroço dos adesismos que tanto minaram o projeto do PT com as feministas e os LGBTs.
Basta de “Revolução vinda de cima”? A Presidenta terá disposição para enfrentar as bancadas reacionárias que controlam o Congresso? Ou, foi tudo festim - as cores do arco-íris nas fachadas e nos facebook das instituições Estatais - numa manifestação do que o oponente FFHH chamaria de "dependência" e os mais críticos de herança do colonismo como inclinação do dorso para Obama que a receberia no mesmo dia?

sábado, 20 de junho de 2015

As comoções do século XXI: com a palavra Boechat “contra” Malafaia.

As comoções – virtuais ou presenciais – têm papel catártico na população, algo de primevo que as religiões contemporâneas perderam em nome do mercado capitalista salvo no último instante pela teologia da prosperidade. Assim, apenas o capital puro e simples é pouco. Faz-se necessário associá-lo ao intangível prestígio distintivo para além da classe social, mas que demonstre a classe do sujeito. O merecimento. O salvo conduto. O carisma.
As manifestações de junho de 2013 tiveram certo caráter de comoção nacional no Brasil. Muitos foram às ruas pelos mais diferentes motivos – do direito de ir e vir sem restrições econômicas à liberdade de imprensa passando pela demanda de uma política mais transparente e, por conseguinte, honesta, além dos subgrupos (naquele contexto) que se fizeram representar. “Não nos representa” foi um lema que exacerbava a distância entre o eleitor e o sufragado. Denunciava a distância entre a campanha político eleitoral e a prática legislativa e administrativa.
Não por acaso, meses depois Nelson Mandela (1918 – 2013) ao morrer teve sua memória aclamada publicamente no Brasil em todas as redes sociais. A internet – meio democrático de acesso e transmissão da informação, e, por conseguinte dos significados do mundo – fez com que a imprensa corresse atrás para fazer juz ao eco virtual do reconhecimento do valor humano-histórico-social-político-cultural de Mandiba. A comoção deu-se diante de uma história de sofrimento – aquela típica dos deuses – e que, apesar de todos os percalços, saiu-se vitoriosa na representação de patê considerável das aspirações da população negra sul-africana. Simbolicamente, vitória do povo oprimido, pré-conceituado, que aprendera o papel discriminador e segregador do apartheid na África do Sul. Uma vitória dos valores humanos, dos direitos de igualdade e liberdade – tão caras ao mercado, também.
Outra comoção nacional ( ou melhor duas, a dos acusadores e das defensores) irrompeu em meio ao julgamento do Mensalão (2005-2006) que se arrastou, no STF, de 2013 a 2014 e teve os primeiros mandatos de prisão expedidos em 15 de novembro de 2013. José Genoino e José Dirceu, ao serem presos, apresentaram-se como mártires da perseguição política da direita, apesar do STF ser composto principalmente por indicados ao longo da Presidência do PT. De punhos erguidos e cerrados fizeram o discurso silencioso da derrota pessoal enquanto vitória de uma causa. O Partido dos Trabalhadores foi na mesma linha e os manteve filiados. Erro histórico e irreparável até o presente. Nada mais portador de descrédito que arvorar-se como senhores da história e auto proclamarem-se injustiçados. Este o papel da história e não dos atores em questão – apesar de poderem se manifestar como inocentes. E, para manter os ânimos acirrados deflagrou-se em março de 2014 a Operação Lava Jato.
Neste ambiente acalorado de denúncias e demandas por um País mais honesto, justo e, de certo modo igualitário, embora estes três elementos nem sempre se conjuguem em uníssono pelos lados envolvidos, o Brasil assiste a catarse nacional realizar-se em meio a manifestações públicas na rua ou no espaço virtual. Aliviados por poderem dizer o que bem querem e onde e quando puder, a população realiza o ritual emotivo, num misto de revolta nas ruas e motim popular virtual, pelo choque que se pode causar aos atores detentores do poder numa quimera de se alterar a estrutura do poder.

Neste ambiente de construções de comoções – entre as quais as vividas diante do espetáculo da intolerância religiosa ao candomblé, ao túmulo do espírita Kardecista Chico Xavier e aos inúmeros casos de invasão dos templos, praças e cemitérios com símbolos católicos depredados – que possam apaziguar as gentes da Terra Brasilis é que ouvimos, no dia 19 de junho de 2015, a resposta entusiasmada de Ricardo Boechat a Silas Malafaia – “O Malafia, vai procurar uma rola”.
A frase é machista, falocentrica, patriarcal. É como dizer que tudo se revolve com o “poder do macho” na base do líquido seminal. Todavia, a expressão alcançou tamanha projeção não, apenas, por refletir o sexismo transnacional multimilenar, mas, antes, pelo seu poder de comoção de expressar o que muitos desejariam dizer, enquanto, condenação a um tipo de prática discursiva discriminatória e preconceituosa. A dimensão de comoção foi tão ampla que mesmo algumas feministas de renome internacional não se contiveram e compartilharam da ânsia. Quase um estupro coletivo do Malafaia em nome do combate ao machismo, a homofobia e outros tantos elementos. 
O braço erguido cerrado é também um símbolo fálico.
Isto mostra as raízes profundas do sexo como dominação, controle e exploração a tal ponto que não conseguimos nos livrar das amarras ancestrais, que tanto criticamos no verbo, mas, de n maneiras compactuamos na prática, afinal, o que é comoção para uns; é terror, para outros. 

domingo, 7 de junho de 2015

Pior que perder... é ganhar e não levar ou da extinção do pensamento político romântico

Chegamos a um ponto na sociedade contemporânea onde o mais relevante não é ganhar, mas, antes, inviabilizar o vencedor. Dilma Rousseff e Josef Blatter são exemplos ímpares. Ambos enfrentaram oposição de grupos significativos e, apesar dos pesares – corrupção e propina – saíram sufragados das eleições.
Dilma Rousseff utilizou de todos os meios ao seu alcance, assim como seu opositor, para vencer. Do discurso da esperança vencer o medo – quando LLulla era candidato – passou-se para a arenga do medo sucumbirá a esperança que raio.
A velha cantilena do medo na política é antiga e tradicional. Pintar o “outro” com tintas fortes faz parte do processo, segundo os marqueteiros e seus aliados. Quem está na oposição trabalha a esperança de novos tempos e o que está no poder adverte do medo, perigo e receio da mudança. Não é fato novo. É mais do mesmo ao longo dos séculos, quer democráticos ou não. Faz parte do romantismo político e seus ideais fraudados no plano real. O discurso do medo advertia para o risco de um choque de gestão. Vencedor o discurso do medo passou a implementar as práticas do ajuste fiscal.
A situação e a oposição sempre se digladiando em suas práticas discursivas – o que para um é choque, para o outro partido é ajuste; o que para um é reforço de caixa, para o outro partido é dinheiro não contabilizado, privatização X concessão... Seja como for, ao final das contas quem pagará à custa dos erros administrativos transformados em dívidas é o cidadão assalariado e quem ganhará sobre os acertos será a elite tradicional financista.

Vencido nas urnas, Aécio Neves demorou-se para reconhecer a derrota a ponto da vencedora quase se antecipar ao traço diplomático das eleições. O vencedor alardeia-se após as congratulações do vencido. O postergar do reconhecimento da derrota eleitoral rra o sinal claro de que o desbarato não aceitara o fato. De lá para cá, tudo o que vimos foi uma oposição organizada para garantir que a vencedora não seja entregue as batatas.
No caso de Josef Blatter o enredo não é diferente. Acossado de todos os lados está em meio à trama de propinas. Ao contrário de Dilma, seu o opositor não só reconheceu de público a derrota, como o fez de modo estamental, renunciando. Ao menos do ponto de vista oficial, pois, a ação remete a outros significados, como a impossibilidade de um embate ético. Mas, a teia em que se encontrava e se encontra matem o interesse em inviabilizá-lo e o conseguiu, a ponto de Blatter anunciar a renúncia. Mas, para o ano que vem. Até lá tudo pode mudar se seus opositores amainarem diante do desgaste da marca FIFA.
O mesmo faz a presidenta ao colocar em primeiro plano para as negociações o vice-presidente – transmutado em primeiro ministro – e o ministro da economia, transformado em embaixador. Sair do foco é a questão de Blatter e Dilma, para que tudo se mantenha como está.
O elemento mais relevante é notar o quanto os denunciados e acossados estão envoltos no enredo da corrupção como elemento que fortalece lucros e dividendos num enredo triste de assassinato público do romantismo republicano e democrático de direito. Nos dois casos, por absurdo que pareça, as investigações conduziram a prejuízos maiores do que o lucro do ressarcimento. Isto coloca uma questão diante do capitalismo anti-romântico: seria a corrupção sistêmica ou simbiótica no capitalismo, na república, na democracia?
Como escreveu Honoré de Balzac “Por detrás de uma grande fortuna há um crime”. No mesmo sentido, ouvi recentemente de um advogado que a melhor expressão para o que ocorre é a frase “está tudo dominado” e, se o Estado quiser fazer algo, deveria legislar para legalizar a joia.
Tristes tempos onde a busca da honestidade, da verdade e da justiça possam causar mais dano social que o benefício de seu ressarcimento numa denúncia banalizadora do sonho romântico da honestidade e da transparência. Tristes tempos estes onde o honesto é inviabilizado e o vencedor não levam as batatas. Afinal, pior que perder... é ganhar e não levar o prêmio. Pior que perder, é fraudar para ganhar.
OU para ficar em um exemplo de movimento social – mesmo que elitizado – como deverá se sentir quem foi às ruas contra corrupção na política do Brasil com a camisa verde e amarela do time brasileiro diante das denúncias contra a FIFA e a copa de 2014?
Machado de Assis (1839- 1908), responde – quer para quem votou em Dilma ou se manifestou pela honestidade – apesar das pequenas corrupções cotidianas – “De tanto ver crescer a injustiça, de tanto ver agigantar-se o poder nas mãos dos maus, o homem chega a rir-se da honra, desanimar-se da justiça e ter vergonha de ser honesto.”

Será o canto do cisne para os ideais políticos românticos de utopias mil? Será a inauguração do planeta a algemas?