sábado, 14 de novembro de 2015

As hierarquias dos projetos ou dos ideais anacrônicos

As hierarquias dos projetos ou dos ideais anacrônicos

Diante de mais uma crise econômica que o País atravessa – e falar em crise no capitalismo é uma redundância – vemos o presidente da Câmara dos Deputados e seus seguidores e escudeiros defenderem projetos que fariam sucesso até a primeira metade do século XX e, assim mesmo, com ressalvas históricas. A marcha à ré nos direitos da mulher face ao estupro, na noção de família, no acesso ao STF de certas categorias religiosas, entre outros ,é de um anacronismo com poucos precedentes.
Isto poderia passar desapercebido se fosse apenas mais um legislador prestando contas a seus eleitores com projetos que atendem demandas específicas na contra mão da universalização de direitos sem a menor condição de viabilizar-se e ser aprovado. Mas, não é. É parte de um projeto antigo e dos mais tradicionais que se arvoram falar em nome de Deus para realizar os poderes do macho em detrimento dos femininos.
Participamos, no Brasil, de um processo de transformação nada silencioso na hierarquia dos projetos a serem atendidos. Apesar do alarido dos progressistas, as bancadas religiosas e da bala, entre outras possíveis designações de mesmo espectro político entre o reacionário e o saudosista lastreado numa pretensa representação da verdade sobrenatural, tem avançado em meio as massas eleitoras via igrejas e associações outras por elas fundadas como esteio de um povo que já retorna para a indigência em meio a crise do País. Os ganhos sociais de 10 anos de governos se evaporam em uma crise de dois anos.
Num arremedo da Syllabus errorum, de Pio IX, só que desta vez via Estado, pretende-se negar não mais apenas o mundo moderno, mas o pós-moderno com todos os avanços científicos que equipararam homens e mulheres e agora avança para o campo da homossexualidade – entre outras possibilidades.
Já Pio IX, em 1864, era um episódio anacrônico visto que se contrapunha as transformações do mundo moderno. O que participamos hoje, face a evangélicos e Bolsonaros, para não falar por hora do Estado Islâmico, demonstram o quanto a história não é evolutiva ou feita apenas de avanços e progressos. Se nas eleições municipais que se aproximam, mais uma vez o papel das igrejas for fundamental para garantir o sufrágio de pessoas que não contam com o apoio real da maioria, o pacto entre Estado e igrejas consolidar-se-á em detrimento da ciência pós-moderna. Pacto avantajado pelo PT que agora perde o “controle da história”.
Neste quadro o episódio do fechamento de escolas no Estado de São, via reorganização geográfica e etária; a possível reforma na carreira de professores das Universidades Estaduais, seguindo o norte dos Recursos Humanos neoliberais – onde não há espaço para todos serem pesquisadores e quebrando o modelo de carreiras estáveis para todos – demonstram o quanto o Estado democrático não consegue dar respostas universalizantes nas terras do Brasil, mesmo sendo o partido que se propõe dos intelectuais, o tucanato.
Assim, a exclusão escolar, a perca do pouco espaço ganho pelas “novas classes médias”, que de medianas quase nada tinham ou dispunham, o desmonte das carreiras universitárias encontra seu casamento perfeito com igrejas que podem solucionar via ritual mágico as agruras da pobreza e da ignorância que o Estado não faz dissolver via política ou políticas.

E, para não pensarmos que estamos sós neste episódio histórico que tende a tergiversar com o retrocesso, guardadas as devidas proporções, ao menos por hora, o Estado Islâmico enviou mensagem explícita de terror aos franceses de que a falta de escolas orientadas pelo lema que fundamenta o mundo ocidental contemporâneo – Liberdade, Igualdade e Fraternidade – viabilizam mãos armadas incapazes de diálogo ou tolerância com a diversidade e a pluralidade laica pós-moderna, e nem mesmo moderna, onde o espaço da mulher e do feminino é a invisibilidade.


Ao caminhar dos debates e alianças políticas no Brasil, o que ainda chamamos de episódio – e que foi inaugurando pelo pastor chutando a Santa de Aparecida em cadeia nacional e condenado, ao menos naquela época, hoje em face ao “Somos todos Charlie Hebdo” e os avanços da interpretação laica, poderia ter resultados diferentes – a uma rotina onde terreiros de candomblé e igrejas católicas depredadas, ou pessoas “apedrejadas” serão uma realidade sancionada pelas novas maiorias, num contra fluxo da interpretação laica?
O aviltamento de uma educação de qualidade para a nação em conformidade aos cânones da ciência, entre elas com destaque para história, filosofia e sociologia, faz com que nem todos entendam que o ataque à França foi um ataque a todo o estilo de vida ocidental  onde ser livre é elemento constitutivo de cidadãos e não de fiéis seguidores doutrinados. O ataque a França é contra a liberdade da mulher e do feminino.  É contrário a ciência e sua liberdade de pesquisa. Em síntese, é o estopim que fez milhares migrar de seus países em busca do sonho europeu lastreado pelos Direitos Humanos, herdeiro e representante direto do lema da Revolução Francesa.
Que pese, e muito a tragédia do mar de lama em Minas Gerais que arrastou muitos à falência, outros à morte, e tantos outros à escassez de água –  e com ele a comparação do mar de lama que envolve os nossos políticos e políticas. É urgente e necessária uma resposta do Estado para além das providências da justiça. E, neste ponto não é isto ou aquilo. O local ou o global. É um e outro num contexto de complexidade pós-moderna.
Sem a França e o peso histórico de seus pensadores históricos, num futuro próximo tudo isto que ocorreu em Minas poderá ser explica pura e simplesmente como vontade de Deus em punição aos pecados. Ou, pior ainda, que o “Efeito estufa” é uma condenação Divina às condutas irreligiosas dos humanos e não resultado dos erros de política e políticas econômicas insustentáveis ecologicamente, mas muito rentáveis no plano dos capitais.
Assim, não deixa de ser contraditório que tantos solicitem orações à França e não atitudes, como as que os próprios franceses evocaram ao cantar o hino revolucionário: às armas cidadãos. A França fundadora do mundo contemporâneo sabe que orações não resolverão a questão, pelo contrário, pode e muito a tornar ainda mais complexa e menos tolerante as questões envolvidas em nome do poder do macho e de seu deus masculino que legitima o controle, da dominação e a explora excludente da mulher, do feminino, da liberdade, da ciência...
Por outro lado, a França da Liberdade, Igualdade e Fraternidade responde militarizando a sociedade para proteger a liberdade castrada ao se limitar o direito de reunião e ir e vir. Tristes tempos onde ainda se faz sentir os ecos  do dilema ético da frase histórica “para que haja paz, é necessária a guerra”?
Anacronismo, bem-vindo ao século XXI e bem na data que comemoramos, 15 de novembro, da Proclamação a República, aquela República que separou Igreja e Estado e fez avanças direitos civis, políticos e econômicos para homens e mulheres, masculino e feminino inspirado nos ideais franceses.