domingo, 4 de setembro de 2016

Tempos TEMERários

Assisti admirado o avançar do processo de impedimento da Presidenta Dilma Rousseff. Não tanto pelas acusações de pedaladas – fato recorrente na política brasileira e agora legalizado pelo sistema – mas, pelo modo como ficou claro a baixa qualidade de nossa democracia. Mais que isto, o quanto está posto, em pleno século XXI, as condições para aplicação e expansão do pensamento autoritário em nome do vil metal.
A igualdade tornou-se um insulto propalado em alto e bom som por uma parcela significativa da direita que quer ter o direito de voltar a dizer piadas racistas, como se não lhes bastasse as piadas homofobias, misóginas e xenófobas, entre outros quilates de preconceitos e discriminaçõess como esteio da exploração econômica e marginalização social.
Vi espantado o desfecho do impedimento. A plataforma básica é a ampliação da subjugação do povo com a exploração máxima, ao ponto de restar apenas o bagaço humano sugado pelas engrenagens capitalistas de usurpação da dignidade da pessoa humana. Aposentadoria por volta dos setenta anos nos iguala a condição de escravizados libertos pela lei do sexagenário. Para quase nada adiantava para a massa de escravizados negros e mesmo para os septuagenários pobres que nasceram formalmente livres nos séculos que vivemos será algo quase inatingível - o direito de retorno de seu trabalho feito pelo bem do País.
Pior que isto, para sustentar a pirâmide dos privilégios dos altos postos do Estado e de empréstimos com incentivos fiscais e crédito subsidiado aos capitalistas cortará direitos sociais que por esta paragem chegou há menos de duas décadas. Pouco o povo desfrutou do fato irrefutável de que a maior riqueza de uma nação é seu povo e logo será jogado à indigência de políticas famélicas, tão tradicionais na Terra Brasilis, ao gosto dos autoritários de que naipa político seja da América Latina.
Vivo desolado com o triste fato de sobeviver a ponto de passar por tempos temerários onde o direito pode tornar-se uma exceção, concedida aos partidários, aos burocratas e aos financiadores do último golpe parlamentar que ainda não se assumiu com tal. Ainda vivemos sob uma democracia formal que aos poucos vê apagar as chamas da igualdade, da liberdade e da hipótese da fraternidade.


Vemos um golpe que se revela aos poucos, insinuando-se qual sedução vista em sinais sóbrios, porém soturnos. A maior marca de Caim pode ser vista avultar-se logo após o fechamento do ciclo iniciado em 17 de abril: as prerrogativas de advogados sendo pisoteada pelas botas de diferentes modos: apanhando no meio-fio; impossibilitado de se comunicar com as vítimas presas em manifestações contra o presidente;  detido em nome da ordem. Trieste tempo onde a OAB sente na própria pele as dores de ter aderido a nova ordem por meio do apoio ao impedimento parlamentar formalmente estabelecido.
Assim, vejamos, quanto tempo será gestado para que, como na Ditadura, se escancare a realidade com frese semelhante a do Ministro do Trabalho e da Previdência Social Jarbas Passarinho, na reunião, em dezembro de 1968, que aprovava o AI-5: "Sei que a Vossa Excelência repugna, como a mim e a todos os membros desse Conselho, enveredar pelo caminho da ditadura pura e simples, mas me parece que claramente é esta que está diante de nós. [...] Às favas, senhor presidente, neste momento, todos os escrúpulos de consciência”.
Até mesmo o pensamento autoritário precisa de uma preparação para ser implementado. Entre nós o ponto de partida seria o slogan espalhado pelo Brasil a fora “Não pense em crise. Trabalhe”? Síntese de um projeto ao qual interessa corpos trabalhadores, escravizados e sem a interferência do Estado no mercado via leis trabalhistas, e com mentes vazias de ideias e ideais democrático-sociais viabilizados pela educação formal, visto que esta seria controlada pela “Escola sem partido” que seria a de partido único, a do opressor-explorador-dominador pautada pela patrulha ideológica do básico ao universitário?

Apesar do dia triste que foi o do impedimento... a democracia vencerá os tempos de temerários e a chama da justiça será vista brilhando nos luzeiros das estrelas como esperança se concretizar nos mais triviais dos dias aos de mais temor.